Série do Navega MS mostra realidade vivida por socorristas: pacientes acionam viatura por sintomas leves apenas para conseguir carona até o hospital ou até a região central da cidade

Na terceira reportagem da série SAMU Camapuã – Salvando Vidas, o Navega MS traz à tona uma prática tão perigosa quanto comum: moradores acionando o SAMU para situações sem gravidade, apenas com o intuito de conseguir transporte até o hospital ou o centro da cidade. A prática foi apelidada informalmente pelos próprios profissionais como “SAMU Uber” — e está longe de ser uma piada.
Para explicar a dimensão do problema, ouvimos o depoimento do responsável técnico de enfermagem do SAMU de Camapuã, Josiel Eduardo Abrate, que atua na unidade desde sua implantação e conhece de perto a rotina dos atendimentos emergenciais.
“Foi uma conotação que a gente deu para os atendimentos simples, em que a equipe é acionada e, ao chegar, percebe que se trata de algo leve, que poderia ser resolvido com orientação ou atendimento na unidade básica de saúde. Isso impede que a ambulância atenda outras situações realmente graves. É um tipo de ‘trote disfarçado’ que coloca vidas em risco”, afirma Josiel.
Segundo ele, isso acontece em toda a cidade, não apenas em bairros afastados. E os relatos impressionam:
“Já fomos atender paciente com febre e dor no peito, e quando chegamos no local, a pessoa estava com uma sacolinha perguntando se ia ser levada para o hospital — e depois trazida de volta. Parece engraçado, mas é sério. A ambulância está ocupada com isso enquanto alguém pode estar morrendo num acidente”, alerta.
Josiel relembra, inclusive, um caso marcante, logo no primeiro atendimento feito pelo SAMU em Camapuã:
“A gente chegou para atender uma idosa e o familiar já estava com a mala pronta, achando que iríamos levá-los para Campo Grande. Tivemos que explicar que o SAMU faz o atendimento no local e encaminha para o hospital da cidade. Só o médico, depois, decide se é o caso de vaga zero para a Capital”, conta.

Ele ainda relata que já houve chamados onde o paciente se recusou a ir ao hospital, confessando que só queria “chegar até o centro da cidade”. Nessas situações, o SAMU precisa preencher uma ficha de recusa, comunicar a central em Campo Grande e registrar o desvio de finalidade.
“Já aconteceu da pessoa simplesmente não querer o atendimento. Ela só queria que a ambulância levasse para a cidade. A gente orienta, mas isso atrapalha. Em Camapuã temos uma equipe enxuta. Se a ambulância está em um atendimento desnecessário, uma vida pode estar sendo perdida em outra parte da cidade ou na rodovia”, reforça.
Um depoimento que chama à reflexão
Entre os relatos ouvidos pela equipe do Navega MS está o de uma moradora de um dos bairros mais afastados de Camapuã, que pediu para não ser identificada por questões de segurança. Ela admite que, no passado, já acionou o SAMU por motivos que hoje considera irrelevantes — como cólica e dor no braço.
“Na hora, a gente acha que é algo mais sério, mas depois entende que não era o caso de chamar uma ambulância. Eu mesma já chamei algumas vezes por dor no braço, por cólica… Hoje eu penso mais no próximo”, disse.

Ela afirma que só tomou consciência da gravidade da situação ao acompanhar notícias de acidentes na região e refletir sobre o impacto que um chamado indevido pode ter.
“Um minuto a mais ou a menos pode ser tudo para salvar alguém. E a ambulância pode estar atendendo algo leve enquanto outra pessoa está morrendo. Hoje eu sei que estava errada, reconheceu a moradora”, finaliza.
A importância do SAMU – e os minutos que salvam vidas
O SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) foi implantado em Camapuã em setembro de 2013, dentro do programa nacional do Ministério da Saúde. Desde o início, Josiel esteve envolvido como coordenador e hoje é o responsável técnico pela unidade. Ele lidera os treinamentos da equipe para atendimentos clínicos, traumas e emergências diversas, além de atuar nas recertificações obrigatórias da equipe, realizadas em Campo Grande conforme o cronograma do Ministério da Saúde.
“Nosso trabalho é técnico, sério e regulamentado. A equipe está em constante treinamento. Nós temos responsabilidade com vidas. Temos que estar preparados para tudo, de uma parada cardíaca a uma colisão grave”, explica Josiel.

Ele também reforça a importância de saber os números de emergência:
•192 – SAMU
•190 – Polícia Militar
•193 – Bombeiros (ainda não presentes em Camapuã, mas acionáveis via São Gabriel do Oeste, que prestam apoio em acidentes com vítimas presas às ferragens).
O que está em jogo: vidas
O alerta de Josiel se confirma com os dados recentes. Somente na primeira semana de julho de 2025, Camapuã registrou duas mortes e três feridos graves em acidentes nas rodovias BR-060 e MS-436. Em menos de seis dias, o SAMU precisou agir com agilidade para evitar que as tragédias fossem ainda piores:
No dia 7 de julho, o jovem Leonardo Galdino de Souza Oliveira, de 21 anos, capotou sua caminhonete na perigosa BR-060, entre Camapuã e Paraíso das Águas. Ele foi socorrido com vida pelo SAMU, mas sofreu uma parada cardiorrespiratória ao sair do hospital local, rumo à Santa Casa, e infelizmente morreu no caminho.

Já no dia 9, um novo acidente grave: o casal Nivaldo e Maria Aparecida Venerando, de 71 e 67 anos, perdeu o controle do veículo e colidiu violentamente contra uma árvore. A caminhonete F1000 se partiu ao meio. Ambos foram socorridos pelo SAMU e levados para Campo Grande. Nivaldo faleceu dois dias depois, enquanto Maria segue internada em estado grave.

Uma escolha errada pode custar uma vida
O recado do episódio é claro: cada minuto conta. Quando a viatura está ocupada com um atendimento sem necessidade real, uma pessoa que está infartando, com um AVC, ou presa nas ferragens pode não receber socorro a tempo.
“A ambulância não é táxi. Ela salva vidas. Se estiver ocupada de forma errada, quem realmente precisa pode morrer esperando. A gente já viu isso acontecer”, finaliza Josiel.
📍 A série “SAMU Camapuã – Salvando Vidas” é uma produção do Navega MS e o vídeo com esses depoimentos já está disponível nas nossas redes sociais: @navega_ms.