Cidade do Norte de Mato Grosso do Sul é berço da Rota das Monções, das missões jesuíticas e é conhecida nacionalmente como a “capital do bezerro de qualidade”

Camapuã, nesta terça-feira (30), comemora 77 anos de emancipação político-administrativa. Mas a história do município é muito mais antiga: remontando a mais de três séculos, suas raízes se iniciam com os jesuítas espanhóis, passam pela Rota das Monções e se consolidam com a chegada da família Leme, que em 1720 fundou a Fazenda Camapuã. Considerando 1720 como marco inicial, a região completa em 2025 305 anos de história, mostrando que Camapuã é muito mais antiga que seu município formal.
“A história de Camapuã vem desde a época dos jesuítas”, destaca o ambientalista José Francisco de Paula Filho. “Camapuã chegou a ser o principal entreposto na região por alguns séculos, em uma época que as Coroas Espanhola e Portuguesa disputavam o território aonde hoje se localiza Mato Grosso do Sul, sendo importantíssimo ponto de apoio na consolidação da fronteira Oeste do Brasil”.

De acordo com o Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul (IGHMS), em 1593 jesuítas espanhóis, vindos da região de Guaíra, subiram o rio Paraná e depois o rio Pardo até se estabelecerem às margens do ribeirão Camapuã, a cerca de três quilômetros do atual núcleo urbano. A missão chegou a reunir grande número de indígenas catequizados, mas foi desarticulada por bandeirantes paulistas, que buscavam riquezas e escravizavam nativos para levá-los ao litoral.
Na década de 1720, integrantes da família Leme – João, Lourenço, Domingos e Antão – fundaram a Fazenda Camapuã no Varadouro de Camapuã, ponto estratégico da Rota das Monções. A partir dali, expedições partiam em direção a Cuiabá, impulsionadas pela corrida do ouro. “Eles chegavam pelo rio Pardo (hoje córrego do Capim Branco) até a foz do córrego do Desembarque, que nasce na lagoa da Sanguessuga”, detalha De Paula. “Em tempos de cheia, alguns subiam pelo córrego e desembarcavam na lagoa. Da lagoa até o ribeirão Camapuã eram cerca de 10 quilômetros a pé. Fora da época das cheias, o percurso era de aproximadamente 18 quilômetros até embarcar no ribeirão Camapuã.”
Essas expedições, conhecidas como monções, reuniam centenas de canoas talhadas em troncos de árvore, capazes de transportar até 20 pessoas e cargas variadas. O historiador Sérgio Buarque de Holanda descreveu o papel da região em seu livro Monções: “A fundação de um sítio de cultura em Camapuã, onde os viajantes pudessem achar mantimento e agasalho, além de bois de carga para a condução de mercadorias, constituiu um fato de maior importância na história do comércio de Cuiabá”.

Em 1726, o governador da Capitania de São Paulo, Rodrigo Moreira César de Menezes, também passou por Camapuã a caminho de Cuiabá, liderando uma monção de 308 canoas com cerca de 3 mil pessoas. Muitas vidas foram perdidas em naufrágios e cachoeiras, revelando a dureza do trajeto.
Já em 1752, o capitão-general Rolim de Moura observou a fertilidade da região, embora registrasse que o gado local, apesar de vistoso, tinha menor resistência que os de Portugal. A fazenda possuía sobrados, capela e grande estrutura para receber comitivas. O astrônomo Francisco José de Lacerda e Almeida, em visita posterior, descreveu Camapuã como “aprazível”, elogiando o clima e a paisagem: “Depois que saí de Portugal, não vi coisa que se possa lhe comparar”, escreveu.
Em 1826, a expedição científica do barão Langsdorff permaneceu 43 dias em Camapuã. O artista Hercules Florence registrou a abundância local: milho, feijão, carne, aguardente, além da hospitalidade das construções. Porém, já naquela época a fazenda entrava em decadência e, na década de 1840, acabou abandonada.
No século XIX, viajantes como o Visconde de Taunay ainda encontraram vestígios da antiga glória: “Imponentes ruínas daquela importante fazenda, sede outrora de muito movimento, ainda resistem ao tempo”, escreveu o escritor durante a Guerra do Paraguai.

O repovoamento da região só ganharia força no início do século XX, com fazendas de gado e agricultura. Em 1924, João Motta ergueu a primeira casa comercial e iniciou a construção de uma igreja, dando origem ao núcleo urbano. Outros pioneiros, como Tibúrcio Dias, Firmino Borges e Lázaro Caiana, ajudaram a consolidar o povoado, que virou distrito em 1933.
Finalmente, em 30 de setembro de 1948, pela Lei nº 134, Camapuã foi elevada à categoria de município, desmembrada de Coxim, Rio Verde de Mato Grosso e Três Lagoas.
Hoje, Camapuã soma quase 14 mil habitantes, figura entre os 25 melhores índices de desenvolvimento humano (IDH) do estado e integra a região turística Rota Cerrado-Pantanal. Conhecida nacionalmente como a “capital do bezerro de qualidade”, a cidade segue escrevendo sua história de desenvolvimento e tradição.
Fonte: MS de Norte a Sul