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Criado em Camapuã, juiz lança projeto inédito em MS com cães para acolher crianças em depoimentos

Idealizado na comarca de Anastácio, “Patas que Acolhem” transforma a experiência de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de crimes, oferecendo conforto e segurança com a ajuda de cães treinados

 

Dr. Luciano com Bart. Imagem/Arquivo pessoal

A cena é incomum para um fórum de justiça: antes de entrar na sala para relatar um episódio doloroso, uma criança se abaixa, afaga o pelo macio do cão, com a cor caramelada, e, entre sorrisos tímidos, começa a relaxar. O cão se chama Bart e faz parte de um projeto pioneiro no Mato Grosso do Sul, o “Patas que Acolhem”, criado pelo juiz Luciano Beladelli, titular da comarca de Anastácio – com apoio do Canil da Polícia Militar de Aquidauana. Os cães do Canil já atuavam com crianças especiais da Pestalozzi, e, a partir da apresentação desse trabalho, passaram a ser inseridos também nos depoimentos especiais de crianças e adolescentes no fórum.

A iniciativa nasceu da percepção de que, para uma criança, prestar depoimento sobre um crime que presenciou ou sofreu é uma experiência extremamente traumática:

“Mesmo para um adulto, entrar em um fórum e falar sobre algo difícil já é doloroso. Imagine para uma criança. O contato com o cão diminui a tensão, ajuda a criar confiança e faz com que o depoimento seja colhido de forma mais humana, sem aumentar o sofrimento”, ressalta o magistrado.

Dr. Luciano com equipe da PM. Imagem/Arquivo pessoal

O projeto funciona em parceria com o Canil da Polícia Militar de Aquidauana. Os cães, como o Bart, são treinados e sabem que, naquele momento, estão a trabalho. “Eles chegam antes, fazem suas necessidades, recebem o comando e ficam ali, atentos e dóceis. Não é preciso que façam nada extraordinário — o simples fato de estarem presentes já transmite amor e acolhimento”, explica Beladelli.

O método é integrado ao chamado depoimento especial, em que a criança é ouvida por um entrevistador treinado, em uma sala adaptada e longe da presença física do juiz, promotor e advogados. “Antes de começar, fazemos o rapport, que é esse momento de aproximação. E é aí que o cão entra. Ele quebra o gelo, cria uma ponte de confiança e tranquiliza a criança para que ela consiga falar.”

Para o juiz, os benefícios são claros desde o primeiro dia de implantação, em março de 2025, e os primeiros depoimentos das crianças começaram a ser feitos a partir de maio deste ano:

“Temos visto crianças terminarem o depoimento com vontade de voltar para o cachorro. Isso muda tudo. Ela não sai apenas com a lembrança ruim do que viveu, mas também com a lembrança de que foi acolhida, respeitada e protegida”, diz.

Beladelli acredita que o projeto pode e deve ser expandido: “Meu objetivo é que o ‘Patas que Acolhem’ seja replicado em outros fóruns, não só no Mato Grosso do Sul, mas em todo o Brasil. É simples, mas transforma a experiência dessas crianças de forma grandiosa.”

Se a atuação como magistrado é marcada pela inovação e pelo cuidado com as vítimas, as raízes de Beladelli são profundamente ligadas a Camapuã. Gaúcho de nascimento, ele se considera “sul-mato-grossense de coração e camapuanense nato”. “Cresci, me criei e fui educado em Camapuã. Tenho muitas amizades, muitas lembranças e uma ligação muito forte com a cidade. Foi ali que aprendi valores que carrego até hoje.”

Ele recorda o incentivo de professores como Maria Olegária e Divani, que marcaram sua formação. “Foram pessoas que me ensinaram muito mais que matérias escolares. Me ensinaram ética, respeito e dedicação. Camapuã moldou minha história.”

A trajetória profissional começou cedo, aos 18 anos, quando foi aprovado em um processo seletivo para oficial de justiça no fórum da cidade. “Passei em quinto lugar para cinco vagas. Trabalhei um ano e meio como contratado, até que saiu o concurso do Tribunal de Justiça. Passei e fui para Costa Rica, mas logo consegui voltar para Camapuã, onde fiquei até seguir novos rumos.”

Formado em Direito em 2004, Beladelli passou anos estudando para concursos até ser aprovado como juiz de direito em 2011, um dos certames mais concorridos do país:

“Foi uma felicidade imensa, fruto de muito esforço e renúncias. Hoje, poder inovar na forma como acolhemos as vítimas é uma das maiores recompensas da minha carreira.”

O Bart, parceiro inseparável no “Patas que Acolhem”, já se tornou um símbolo do projeto. “Ele sabe que está trabalhando. Fica ali, tranquilo, transmitindo segurança e carinho. É impressionante como um animal pode mudar completamente a postura de uma criança diante de um momento tão delicado”, afirma o juiz.

Para Luciano Beladelli, a ideia é simples, mas carrega um impacto profundo. “Tudo fica melhor quando se tem acolhimento. E, no caso de uma criança, esse acolhimento pode vir de um cão de olhar doce e coração gigante. É isso que o ‘Patas que Acolhem’ representa: humanidade dentro da Justiça.”

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